Augusto Flamaryon Cecchin Bozz, Pós-graduando do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura (Doutorado), Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Email: [email protected]
Suely Henrique Gomes, Docente do Programa de Pós-graduação em Comunicação, Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal de Goiás (FIC/UFG), Goiás, GO, Brasil. Email: [email protected]
O artigo Conectar e compartilhar: a biossociabilidade de pacientes com câncer aborda as práticas acionadas por pacientes com câncer de se conectar a outro paciente e compartilhar suas experiências de sofrimento, luta e superação. O texto elege duas ocasiões históricas como modelos paradigmáticos de uma transformação nas formas de sociabilidade dos pacientes: a primeira é uma lista de discussão criada na internet por grupos de apoio e médicos; a segunda é um guia elaborado por uma terapeuta que vivenciou o câncer.
Hoje, é muito comum encontrar pacientes relatando suas vivências nas redes sociais e outros ambientes comunicacionais. Essa maneira de lidar com o sofrimento e torná-lo compreensível ao outro marca profundamente nossa cultura. A partir de um olhar histórico para as práticas de compartilhar relatos sobre o próprio adoecimento na internet, o artigo discute as implicações dessa prática na subjetividade e na biossociabilidade contemporânea. Os dados levantados apontam para a formação de novos valores sociais e novas linguagens que tornam narrativamente aceitável o sofrimento do paciente.
Sem dúvida, as redes sociais e tantos outros formatos de comunicação inventados nos últimos anos levaram ao paroxismo essa prática de compartilhar relatos sobre o próprio sofrimento. Mas os dados também apontam para a formação de um novo tipo de sujeito. Este novo sujeito toma a própria experiência como parâmetro para o seu discurso, podendo, em alguns casos, rivalizar com o saber médico ou psicoterapêutico.
Este artigo é resultado de uma pesquisa de mestrado desenvolvida durante os anos de 2014 e 2016 na Universidade Federal de Goiás (UFG). Com a ajuda da bolsa da CAPES, aluno e orientadora mergulharam em grupos de apoio à pacientes com câncer pulverizados na internet, dialogaram com pesquisadores de instituições parceiras e contaram com a participação de colegas de outros departamentos, em especial do Grupo de Estudos em Linguagem e Mídia da Universidade Federal de Mato Grosso.
O artigo foi redigido em 2018 após a incorporação das contribuições da banca avaliadora da dissertação. Durante esse período, muitos diálogos e contribuições foram incorporadas ao texto. Em seguida, foi submetido ao periódico Interface – Comunicação, Saúde, Educação em 2021. O filósofo francês Michel Foucault foi um autor fundamental, tanto para os conceitos utilizados quanto para a metodologia aplicada. Foi através do gesto genealógico de Foucault que os autores desnaturalizaram a prática de compartilhar relatos sobre o próprio padecimento e mergulharam nesse filão que constitui a nossa cultura contemporânea.
A partir das pesquisas do teórico social Nikolas Rose e dos dados apresentados pelo objeto de estudo, concluímos que muito daquilo que consideramos meras práticas comunicacionais na verdade ativam repertórios de conduta, pressupostos sobre a noção de “pessoa” e modos de ser e estar no mundo que fazem do sofrimento a chave de inteligibilidade da sociabilidade.
É imprescindível, entretanto, não generalizar essa conclusão. Mais pesquisas precisam ser feitas no campo para poder esclarecer fenômenos ainda obscuros. Além disso, é preciso considerar que os dados foram extraídos de experiências pontuais e que nem sempre o sujeito se vê na obrigação moral de transformar sua experiência em linguagem.
Referências
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Para ler o artigo, acesso em: https://doi.org/10.1590/interface.220008