Press release: “A luta é nossa”: vivência de cuidadoras de crianças com síndrome congênita do zika

Cora Coralina dos Santos Junqueira, Bacharelado e licenciatura em Enfermagem, Universidade Federal da Paraíba; Mestrado em Saúde da Família pela Rede Nordeste de Formação em Saúde da Família, nucleadora Universidade Federal da Paraíba (RENASF/UFPB – 2019). Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected].

Altamira Pereira da Silva Reichert, Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Paraíba, Brasil. E-mail: [email protected].


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A epidemia de Zika, que acometeu principalmente o nordeste brasileiro, em 2015, atingiu algumas grávidas e causou a síndrome congênita do Zika vírus (SCZ). As alterações fisiopatológicas causadas nas crianças, como deficiências cognitivas, sensoriais e motoras, são comuns a outras doenças congênitas, porém, esta condição é acompanhada pelo agravante de sinais raros como a microcefalia, grave anormalidade no desenvolvimento neurológico; anomalias ocular e auditiva; contraturas múltiplas; alteração no tônus muscular; convulsões; problemas de deglutição; e anomalia cerebral.

As repercussões da SCZ perpassam para além de uma discussão de cunho fisiopatológico, levando a reflexões acerca do papel político, econômico e social do Estado. A incerteza por parte da ciência e a invisibilidade da questão, causam ainda mais estresse emocional na família cuidadora da criança com necessidades especiais de saúde, que busca em vários serviços de reabilitação a resposta para as demandas de assistência em saúde, indispensáveis ao bem-estar biopsicossocial dessas crianças.

O artigo A luta é nossa”: vivência de cuidadoras de crianças com síndrome congênita do Zika, tem por objetivo analisar a vivência de cuidadoras dessas crianças, no contexto familiar e social. A partir de relatos de mães e cuidadoras dessas crianças, pôde-se evidenciar que suas vivências são permeadas por adversidades e sofrimentos, tanto no âmbito social quanto econômico, o que pode afetar a saúde mental e física da família.

Esta pesquisa foi desenvolvida por membros do Grupo de Estudos em Saúde da Criança e do Adolescente na Atenção Primária (GEACAAP) da Universidade Federal da Paraíba. É fruto da dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde da Família, nível Mestrado Profissional, da Rede Nordeste de Formação em Saúde da Família, da Universidade Federal da Paraíba.

As entrevistas foram realizadas entre novembro de 2018 e março de 2019, em um serviço de reabilitação neuropsicomotora para crianças e adolescentes com necessidades especiais de saúde, e o texto na íntegra deste trabalho foi publicado no periódico Interface – Comunicação, Saúde, Educação em 2022. As participantes deste artigo foram nove mães e uma avó que eram cuidadores principais de crianças com síndrome Congênita do Zika. Trata-se de um estudo com abordagem qualitativa, seguindo todos os aspectos éticos em pesquisas com seres humanos e os Critérios Consolidados para Relatos de Pesquisa Qualitativa (Coreq) como ferramenta auxiliar para assegurar o rigor do estudo.

A partir da análise das entrevistas foram construídos dois temas principais: “Protagonismo e luta da mulher para cuidar da criança com síndrome congênita do Zika vírus” e “Impactos da síndrome congênita do Zika na vida das cuidadoras”. No primeiro tema é possível perceber que as mulheres são as principais cuidadoras das crianças com a síndrome, majoritariamente as mães, as quais assumem o cuidado integral da criança, enfrentam lutas diárias em busca de melhores condições de vida; abdicam de sonhos, emprego e estudos; e enfrentam dificuldades financeiras e no cuidado dos outros filhos.

O segundo tema aborda os impactos e alterações na dinâmica familiar, que envolve terapias, medicamentos e insumos necessários para a reabilitação da criança. Essas necessidades associadas às obrigações negligenciadas pelo Estado impactam a vida dessas mulheres de maneira negativa. Nesse contexto, a mulher/cuidadora principal se dedica de maneira exclusiva aos cuidados da criança com SCZ, sentindo-se sobrecarregada e solitária. Não obstante, essas mulheres assumem uma atitude resiliente e passam a se adaptar aos desafios impostos pela nova situação.

Em síntese, como limitação desse trabalho, considera-se o fato de a pesquisa ter incluído somente as cuidadoras principais das crianças com a SCZ, não permitindo uma representatividade de outros familiares, a fim de compreender as relações familiares nesse contexto.

Sugere-se a realização de estudos que contemplem o âmbito familiar da criança com a síndrome congênita do Zika vírus, a fim de conhecer os desafios enfrentados por todos os membros da família, como também, a influência do contexto familiar nos cuidados a essa criança. Também é importante capacitação e apoio dos profissionais da equipe saúde da família junto ao Núcleo de Apoio à Saúde da Família, para que possam contribuir no cuidado à criança com a SCZ e sua família.

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Para ler o artigo, acesso em: https://doi.org/10.1590/interface.210451