Programa Mais Médicos: Blog da Interface entrevista Heider Pinto

Programa Mais Médicos: Blog da Interface entrevista Heider Pinto

 

O processo de avaliação dos 129 artigos submetidos à chamada pública da revista Interface para o Suplemento sobre Provimento Médico no SUS está em fase final de avaliação.

O Blog da Interface entrevistou Heider Pinto (ex-secretário da SGTES, do Ministério da Saúde) um dos autores do artigo “Programa Mais Médicos: avaliando a implantação do Eixo Provimento de 2013 a 2015”, já aprovado para publicação.

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Foto: Heider Pinto

 

Interface: Quais seriam os principais avanços alcançados pelo Programa Mais Médicos?

HP: Sempre é importante lembrar que o Programa Mais Médicos (PMM) tem três eixos: o provimento emergencial, que é o mais conhecido, o de investimento em infraestrutura e o eixo mais estruturante e importante que é o de formação médica.

No eixo infraestrutura foram comprometidos mais de 5 bilhões de reais para a realização, em 5 mil municípios, de 26 mil obras de reformas e ampliações de unidades básicas de saúde (UBS) já existentes e construções de novas. Desse total, mais da metade já havia sido realizada e entregue à população até o fim de 2015. Isso é um resultado significativo porque essa ação é o maior investimento em melhoria da infraestrutura na história da atenção básica no Brasil.

Com relação ao provimento emergencial, a alocação de 18 mil médicos em 4 mil municípios cobrindo 63 milhões de pessoas produziu mudanças quantitativas e qualitativas importantíssimas. Em primeiro lugar, os dados mostram, inequivocamente, que isso foi feito com equidade, ou seja, quem precisava mais recebeu mais. Os municípios mais pobres receberam três vezes a proporção de médicos por habitante que as capitais e regiões metropolitanas. A proporção média do Brasil ficou 50% acima daquela das capitas. Mesmo assim, as áreas mais vulneráveis das grandes cidades receberam proporção muito maior de médicos que as áreas mais centrais e menos pobres. As regiões Norte e Nordeste foram as que mais receberam e a Sudeste a que menos recebeu, reforçando o objetivo de enfrentar as desigualdades regionais.

A cobertura de atenção básica (AB) e da estratégia de saúde da família (ESF), que estavam estagnadas há 7 anos, retomaram o crescimento com o PMM e cresceram em menos de 2 anos de programa mais do que cresceu nos cinco anos anteriores. E isso porque nem todo o efeito da ampliação de cobertura pode ser visto nos sistemas oficiais que acompanham a cobertura populacional da ESF, porque aproximadamente 2/3 dos médicos do PMM foram integrar equipes que estavam no sistema, mas estavam sem médicos atuando de maneira regular, e também porque foram integrar outros tipos de equipes de AB que não contam para cobertura da saúde da família.

E isso também aconteceu com equidade, quando todas as regiões do Brasil estavam estagnadas, a cobertura na região Norte reduziu algo como 6%, mas, com o Mais Médicos, cresceu quase 14% e se igualou às regiões Centro-Oeste e Sudeste.

Tabulando e analisando os dados vimos também que os municípios que não aderiram ao programa aumentavam a quantidade de médicos sempre acima daqueles que vieram a aderir em 2013, e isso mudou justamente a partir da criação do programa quando os últimos passaram a apresentar mais que o dobro do aumento dos primeiros.

Diversas pesquisas têm mostrado também resultados no aumento de consultas na ESF no período, na ordem de 33% nos municípios aderidos contra 15% nos não aderidos; ampliação do escopo de práticas, como procedimentos de urgência e pequena cirurgia nas UBS, além de melhor realização das ações programáticas, de promoção da saúde e no território; e redução mais acentuada nas internações sensíveis à AB.

Fora isso, são muito enfáticas as pesquisas que colheram as opiniões de usuários, gestores e trabalhadores. A da UFMG, por exemplo, que entrevistou mais de 14 mil usuários atendidos pelo programa e gestores de mais de 200 municípios constatou excelente aprovação do Programa, com nota média 9 (para um total de 10). A nota tão alta foi explicada devido ao que os entrevistados refeririam como: ampliação do acesso e das consultas oferecidas, maior resolutividade no atendimento, melhor qualidade na consulta médica e o fato da UBS passar a contar efetivamente com médicos todos os dias da semana e cumprindo a carga horária integral prevista e necessária à saúde da família.

Com relação ao eixo formação, um dos grandes avanços foi a definição de novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de medicina que conseguiram apontar uma formação mais moderna, que prioriza o protagonismo do estudante na construção do conhecimento, com maior foco nas pessoas e seu contexto e não só na doença e parte do corpo, com muito mais aprendizado a partir da prática e inserção concreta no SUS etc.

Foi regulamentada e estava sendo construída a avaliação que, nos 2º, 4º e 6º anos, conseguiria acompanhar o desenvolvimento das competências de atenção, educação e gestão do educando. Algo que, se seguir em frente nos moldes como estava proposto, dará um salto qualitativo extraordinário na formação médica e no acompanhamento da qualidade das escolas.

Também foi uma conquista a criação e regulamentação do Contrato Organizativo de Ação Pública de Ensino Saúde que pode dar mais estabilidade e qualidade à integração entre a rede de serviços e as escolas médicas.

Ainda na graduação, vale destacar o fato da lei ter criado e dos Ministérios da Educação e da Saúde terem concretizado o planejamento e regulação da abertura de escolas nas áreas com maior necessidade de médicos e de vagas de medicina. Mais da metade da meta de abrir 11,4 mil vagas até 2017 havia sido cumprida até o fim de 2015.

Por fim, a criação do Cadastro Nacional de Especialistas, a expansão recorde das residências por parte do Ministério da Saúde com o objetivo de universalizar o acesso a todos os egresso em 2018 e o estabelecimento da medicina de família e comunidade com especialidade base das demais, acontecendo na atenção básica do SUS, e também na rede de urgências, na atenção domiciliar e na saúde mental, sem dúvida alguma são as medidas com maior impacto em curto e médio prazo na qualidade da formação dos médicos brasileiros e na efetivação de um planejamento tal qual a Constituição delega ao SUS, a quem cabe a responsabilidade pela ordenação da formação de recursos humanos em saúde.

Interface: Quais são os principais desafios para a continuidade do Programa Mais Médicos?

Olha, no eixo infraestrutura desafio agora é manter os recursos e concluir as obras. Mas, um programa que era prioridade, nesse cenário de cortes, passa a ser o primeiro a ser cortado porque, além de recursos de custeio, é composto por recursos de investimento. O problema é que a interrupção de uma obra destas causa um problema grande para todo mundo: a obra fica muito mais cara; o município tem que complementar e, se não tiver recursos, a obra pode ser paralisada definitivamente; a empresa responsável tem que demitir gente; os profissionais ficam em situações precárias que eram para ser provisórias, mas acabam se estendendo por muito tempo; e a população não só demora mais tempo para ter o benefício, como pode não chegar a tê-lo.

Com relação ao eixo provimento emergencial, penso que o melhor teria sido manter o programa como estava, fazendo apenas mudanças pontuais de aperfeiçoamento e incremento. O programa cada vez mais atraia os médicos brasileiros e apresentava um tempo de espera menor entre as substituições de médicos. O suporte pedagógico e clínico com a formação em saúde da família, a supervisão das universidades, o telessaúde etc. também estavam com as melhores avaliações, por parte dos médicos, desde a criação do programa.

Mas as diversas versões, declarações e medidas que colocaram em risco, desqualificaram e mesmo reduziram a participação dos médicos estrangeiros, somadas à retirada de benefícios à participação dos brasileiros, apontam para um cenário que, certamente, reduzirá a participação dos médicos brasileiros e estrangeiros, ao menos até algumas das mudanças serem reconsideradas. E isso pode gerar desassistência principalmente nos locais com maior necessidade nos quais, sem o Mais Médicos, o prefeito não consegue assegurar atenção médica.

No caso do eixo formação, justamente o mais importante e estruturante, as perspectivas são as piores. A expansão pública está bloqueada com o corte de recursos na educação e, com a PEC 241, agora 55, o cenário é o pior possível. De outro lado, a privatização do ensino superior será a tônica, por isso escolas pagas têm sido autorizadas a ampliar as vagas fora dos critérios do Mais Médicos e a tendência é que as regras de expansão de privadas seja “flexibilizada”.

Já existem declarações do MEC que apontam para restauração conservadora nas Diretrizes Curriculares e na avaliação seriada.

Mas, para mim, o maior retrocesso será no desmonte dos avanços que a Lei do Mais Médicos, a 12.871, promoveu na residência médica. A universalização da residência, a valorização da medicina de família e comunidade e a construção de uma avaliação justa e de critérios de acesso impessoais, igualitários e universais, tanto para a residência médica quanto à revalidação de diplomas, podem fazer parte de um futuro que estava por chegar, mas que pode ter sido abatido em pleno voo. Infelizmente.