Por Alexander W. A. Kellner, Laboratório de Sistemática e Tafonomia de Vertebrados Fósseis, Departamento de Geologia e Paleontologia, Museu Nacional/UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Talvez nenhum pesquisador no Brasil discorde da afirmativa de que a ciência está passando por momentos muito difíceis neste país. São exemplos numerosos: a recente (e muito questionável) fusão dos ministérios da Ciência e das Comunicações, a limitação (adicional) do financiamento e de bolsas de estudo em todos os níveis, a burocracia referente à importação de produtos básicos e equipamento para fins científicos (ligeiramente atenuada em anos recentes, mas ainda problemática), e a destruição geral de universidades e instituições científicas como resultado direto da falta geral de investimentos. Tudo isso acontecendo apesar das constantes advertências e protestos de sociedades e organizações científicas. Não é de se admirar que a difícil situação econômica geral se estenderia aos periódicos científicos.
Como é sabido, o financiamento governamental é essencial para os periódicos do Brasil. Quando, em 2006, a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior – fundação do Ministério da Educação) assinou um acordo com o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) para dobrar o financiamento aos periódicos, autores e editores ficaram animados. Embora as regras para obter estas subvenções tenham se tornado mais difíceis ano após ano, e apesar do fato de que a quantidade nunca foi o suficiente para permitir aos editores publicar todos os bons artigos que estavam recebendo (especialmente considerando as taxas de submissão cada vez maiores), o sistema estava funcionando. Isso (e outras iniciativas) resultaram no crescimento geral da visibilidade dos cientistas brasileiros, ainda que não totalmente sem problemas, particularmente quando se empregam métricas de avaliação “importadas” do exterior que podem não ser diretamente aplicáveis à realidade brasileira (e sul-americana).
Cerca de dois anos atrás, no entanto, a CAPES teve problemas para pagar sua parte do acordo, incluindo os auxílios à pesquisa já aprovados. Além disso, em 2016, sem o apoio prévio da CAPES e com o aprofundamento da crise econômica brasileira, o CNPq concedeu muito menos recursos do que em anos anteriores. A fim de tentar acomodar o maior número possível de periódicos, esta agência parece ter usado a “solução Salomônica” cortando pela metade (ou menos) a quantidade usada para subsidiar os periódicos. Esta prática expôs um problema administrativo que tem sido discutido por alto nos últimos anos, mas nunca foi realmente abordado: a curta duração dos auxílios. Ao final de cada ano, os editores devem se inscrever no CNPq para obter um novo auxílio, sem saber quanto receberão. Porém, os trabalhos estão sendo aceitos e preparados para publicação futura, pois se trata de um processo contínuo.
Não há dúvida de que o financiamento contínuo é muito importante para qualquer atividade científica, porém, quando trata-se de publicações científicas, é simplesmente fundamental! Parece quase desnecessário ressaltar que um volume de um periódico científico não é um item que pode ser produzido em um curto período de tempo. Mesmo com a sofisticação dos sistemas online que, de alguma forma, aceleraram e reduziram os custos de todo o processo de publicação – o que, por sinal, não implica necessariamente em incremento em termos de qualidade – os periódicos publicam um grande número de artigos que haviam sido aprovados e parcialmente processados no ano anterior.
O que os editores podem fazer quando, no final do ano, são informados de que o financiamento será reduzido para menos da metade do que inicialmente se esperava? O que fazer com todos os manuscritos que foram aceitos – mas ainda não publicados – agora que os fundos se foram? Mesmo nos casos raros (e hoje em dia, improváveis), quando os editores obtêm mais recursos do que tinham planejado, como devem proceder sabendo que precisam de novos artigos (e de alto impacto!) que devem ser produzidos e publicados dentro de um ano? E, para todos, como lidar com critérios justos que servem de base para aceitação e rejeição de manuscritos se o número de artigos flutuar substancialmente de um ano para outro como resultado da disponibilidade de recursos? Penso que não é necessário salientar a situação estressante dos editores que têm de lidar com a raiva e frustração de autores e fornecedores – para não mencionar a sua própria.
Embora não pareça haver qualquer alívio imediato com relação aos recursos, há uma pequena iniciativa que poderia ser implementada pelas agências de financiamento, praticamente sem nenhum custo: estender a duração dos auxílios. Idealmente, o financiamento de um periódico científico deveria ser de cinco anos, mas três anos já seria uma melhoria bem-vinda. O montante anual atribuído a um determinado periódico poderia ser disponibilizado no início de cada ano, permitindo aos editores fazer algum planejamento.
Compreendo perfeitamente as atuais dificuldades das agências de fomento que estão lutando arduamente para promover atividades científicas nestes tempos econômica e politicamente turbulentos. Seu trabalho é absolutamente necessário e totalmente apreciado. Entretanto, deve-se notar que os cientistas brasileiros estão fazendo grandes esforços para mitigar os problemas resultantes não apenas da situação adversa atual, mas também devido às complicações adicionais causadas pela contínua e crescente demanda mundial por publicações como consequência do chamado “the bakery effect“. Questões como a integridade científica e a necessidade de internacionalização estão no topo da agenda científica atual. O mesmo acontece com os editores, trabalhando arduamente para atrair manuscritos relevantes para seus periódicos, incluindo a publicação de números especiais, o que aumenta a necessidade de uma preparação antecipada. Por uma questão de justiça para autores e editores, a extensão de financiamento para períodos mais longos pode não ser muito a pedir.
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Para ler o editorial, acesse:
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